sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Es muss ein

Era o acaso sussurrando ao pé do ouvido: "Olha e vê com que mimo te presenteio. Olha, não foge! Contempla teu presente, tu, que busca no belo o deleite." Como não se declina de um convite do acaso, voltei meus olhos. Ai do homem que oferece a mão ao destino disfarçado de acaso. Destino, acaso...para muitos, não há diferença. A bem da verdade, ainda não sei se há.
Mas a perdição estava, na verdade, num segundo - ou terceiro - terceiro elemento: o desejo, que veio de súbito, e esse, meus amigos, é como criança mimada, que não sossega até se ver satisfeita. Meus olhos, desde o primeiro momento inebriados, procuravam os dela, que ora pareciam recíprocos, ora fugidios. Quando ocasionalmente nossos olhares se encontravam, numa fração de segundo, numa busca telepática, agitava-se tudo o que em paz repousava em mim. Foi quando o acaso-destino citou Beethoven e Kundera: "Es muss ein!"
Até então só meus olhos haviam sido agraciados. Mas o desejo, criança mimada, pedia mais, os sentidos precisavam de mais, e o acaso-destino fez a vontade da tal criança. Vieram o som da voz, o toque, o cheiro. Ah, este me embriagava de tal forma, que os sentidos se confundiam todos, numa infinita dança sinestésica. Talvez por nunca ter imposto limites a sua invasão, aquele aroma me tomava por inteiro, primeiro as narinas, os pulmões, depois todo o resto, tal qual alucinógeno que nunca sacia, me deixando a pedir sempre mais. Vício e perdição equacionavam-se numa paixão de feitiço irresistível.
A sentença já havia sido pronunciada: não havia volta. Aquela moça de olhos marcantes, lábios de Lilith e andar de quem sabe exatamente dos olhares que atrai - e se diverte com isso -, irrevogavelmente fazia parte da minha vida.
O que veio depois? O óbvio: o amor. Mas isso, meu amigo, de tão vívido, intenso, embora terno, é assunto para outra ocasião, um livro, talvez. Como para tal me falta o talento, quem sabe eu tome algumas histórias emprestadas de quem, por acaso, saiba traduzir o que vivi com essa moça. Por enquanto, é o que te ofereço, caro leitor. Mas deixo um aviso: leia com parcimônia. Não vá também cair de amores pela moça.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

OS BOÊMIOS


Prosa em verso

Encontros dispersos

Garrafas espalhadas, cigarros

Suor e sorriso

O abraço sem motivo

Ou todos os motivos num só

Conversa séria e bobagem

Numa igual fluência – inexplicável

É...somos nós

Não é onde, nem o que:

É com quem.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

ENTREABERTOS

Meu amor, não houve nada. Quase nada. Eu quase não estremeci quando ela me tocou. Seu hálito quente e sua voz rouca atiçaram só alguns dos meus sentidos. Não quero que penses que ela tem algum poder sobre mim. Só quis ver até onde ia minha resistência, por isso permaneci imóvel, enquanto ela me circundava, de perto – muito perto. Seu cheiro, mistura de uma infinidade de aromas que não sei definir, me inebriava, mas isso é coisa sem a menor relevância. E quando ela comprimiu minha mão contra o seu corpo, deixei que ela guiasse todos os meus movimentos porque não queria participar daquilo – pelo menos, não ativamente. Até fechei os olhos para não ver. Acho que nem senti muitos arrepios quando seus dentes mordiscavam minha nuca, ou quando sua língua explorava, ao mesmo tempo leve e ousadamente, minha orelha. Os sussurros, entao! Causaram um impacto ainda menor. Acho que nem vou continuar te contando isso, afinal, não foi nada. Quando resolvi não ser mais passivo àquele assédio, e minha mão começou a passear por baixo da sua blusa, não sabia muito bem o que estava fazendo. Nem quero falar de quando comprimi o corpo dela contra o meu – se é que isso era possível. Nem de quando seu ventre, a essa altura já descoberto, tocou o meu. O corpo dela estremecia a cada avanço ousado das minhas mãos e da minha língua. Mas eu não queria provocar esse efeito. Não foi minha culpa. Seu corpo entregue, como que desfalecido em meus braços, não deveria significou nada. Ainda bem que fomos abruptamente interrompidos. Ah, você quer saber por que eu estou suando? Meu bem é verão. O que você esperava? Minhas pernas?Trêmulas? Ora, minhas estão trêmulas porque...porque...

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

CARTA


Esse número não existe. E o choro não consegue sair da minha garganta. Um nó, sabe? Aquele. E nessa madrugada em que a primavera mais parece um inverno cortante, a moça insiste em dizer que não existe. Não existe como aquele disco tocando na vitrola que eu não tenho e aquela máquina de escrever no canto do sótão que inventei. Agora nenhuma palavra faz sentido do lado de dentro. De repente tenho tanto medo de me perder de mim. Me errar como se erra o desfecho de um conto. Então escrevo. Por que essa agonia está ardendo e esse amor não alcança o coração. Sempre achei que o amor acabava quando a gente não consegue mais se ver dentro do olhar do outro. E agora? Não entendo. Não posso me ver e mesmo assim ainda sinto o seu coracão batendo por trás das minhas costelas. O relógio rodou por aí? Por aqui o tempo ainda congela. Fito um relógio de cordas quebradas. Estou escrevendo só pra sentir que fomos mais que a carne derramada sobre a cama. Pra dar o adeus que me acompanha. Parei aqui. Adeus.


Por Betânia Barreto

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

DÁLIA

Cansei de me ver em você, fazer tudo por você

E tendo como conseqüência esquecer de mim.

Passei várias noites sem dormir tentando imaginar

Quando você iria parar com as tuas passagens

Por outros lares e com suas falsas desculpas

Tentando me convencer de que as coisas que eu sei e vejo

Não são reais, que são apenas falsas convicções.

Não posso entalhar um falso sorriso com toda essa situação.

Irei enrijecer minha atitude, e não volto atrás.

A esperança para mim morreu

E pra você deixo apenas o meu adeus.



Por Hércules Bressy

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

UMA ESTÓRIA DE NATAL


Zelino é um extra-terrestre que, vez por outra, vem dar um passeio na Terra. Ele gosta de aprender sobre cultura, filosofia, ciência e religião das sociedades que habitam nosso planeta. Frequentemente ele conversa com alguns terráqueos, especialmente com Domingos. Numa dessas conversas, Zelino tenta aprender tudo sobre uma festa tradicional da cultura ocidental do planete Terra: o Natal.

- Domingos, o que tá acontecendo, que tá todo mundo nessa agitação aqui na Terra – todo mundo correndo pra as compras, lojas decoradas?

- Ah, é por causa do Natal?

- O quê?

- O Natal. É uma festa que a gente comemora todo ano, na noite de 24 e no dia 25 de dezembro.

- Ah...e o que vocês comemoram?

- Ah, Zelino, tem Papai Noel, ceia, as pessoas compram presentes...as lojas ganham muito dinheiro nessa época.

- Tá, mas qual a origem disso tudo?

- Poxa...eerr...ah, lembrei: a gente comemora o aniversário de Jesus Cristo!

- Hum...ah, então esse cara deve ser bastante sortudo, hein! Pra todo mundo gastar dinheiro com presente pra ele!

- Não, Zelino. Pelo contrário: ele era pobre – “era” porque já morreu. As pessoas compram presentes para umas para as outras.

- Sei...vocês comemoram o aniversário de alguém que já morreu comprando presentes pra vocês mesmos.

- É mais ou menos isso.

- E esse tal de Papai Noel? Ele é o pai de Jesus?

- Hahahahaha...não, Zelino. Papai Noel é...ah, não sei direito como ele entrou na história do Natal. Só sei que ele não tem nada a ver com o nascimento de Jesus, não. É aquele velho de vermelho que tá com uma criancinha no colo. Na verdade, aquele ali não é tão velho.

- Deixa ver se eu entendi: é um velho que não é velho, que gosta de colocar criancinhas no colo e que, no fim das contas, não tem nada a ver com a história?

- É por aí.

- E aquelas arvorezinhas ali cheias daquele negócio branco? E aqueles veadinhos?

- Na verdade, são árvores de plástico, e aquilo branco é neve. E os animais não são veadinhos: são renas.

- Eu não sabia que no Brasil costumava nevar. Nem que havia renas aqui.

- De fato, aqui não tem neve nem rena.

- Então é tudo de mentira.

- Nem tudo. O Espítiro Natalino é verdadeiro.

- E como é isso?

- No Natal, as pessoas se abraçam; se estiverem de relaçoes cortadas, elas se reconciliam...

- As pessoas esperam um ano para serem cordiais umas com as outras? Isso é o Espírito Natalino?

- Mais ou menos.

- É...esse tal Espírito deve estar custando caro, né?

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

REI DE SI



Deixou toda dor em poucas linhas escritas, justificando sem ter justificativas, algo que, de alguma forma, eu já previa. Não é preciso ter fim para que tenhamos a certeza de que acabou. Em algum momento, o pranto do meu peito irá secar e ficarei em paz. Difícil é negar a impressão de que o coração fica mudo, de que ele não irá saltitar como criança alegre por saber que eu iria te ver. Dói tentar prever o futuro, sem que você faça parte dele, e a dor...é realmente pior para quem sente.
Esse sentimento irá passar.
Me sinto um super-herói que luta contra o seu inimigo outra vez - sai ferido mas, no fim, tudo fica bem...e ele fica sem a sua amada.


Por Hércules Bressy