Era o acaso sussurrando ao pé do ouvido:
"Olha e vê com que mimo te presenteio. Olha, não foge! Contempla teu
presente, tu, que busca no belo o deleite." Como não se declina de um
convite do acaso, voltei meus olhos. Ai do homem que oferece a mão ao destino
disfarçado de acaso. Destino, acaso...para muitos, não há diferença. A bem
da verdade, ainda não sei se há.
Mas a perdição estava, na verdade, num segundo - ou terceiro -
terceiro elemento: o desejo, que veio de súbito, e esse, meus amigos, é como
criança mimada, que não sossega até se ver satisfeita. Meus olhos, desde o
primeiro momento inebriados, procuravam os dela, que ora pareciam recíprocos,
ora fugidios. Quando ocasionalmente nossos olhares se encontravam, numa fração
de segundo, numa busca telepática, agitava-se tudo o que em paz repousava em
mim. Foi quando o acaso-destino citou Beethoven e Kundera: "Es muss ein!"
Até então só meus olhos haviam sido agraciados. Mas o desejo,
criança mimada, pedia mais, os sentidos precisavam de mais, e o acaso-destino
fez a vontade da tal criança. Vieram o som da voz, o toque, o cheiro. Ah, este
me embriagava de tal forma, que os sentidos se confundiam todos, numa infinita
dança sinestésica. Talvez por nunca ter imposto limites a sua invasão, aquele
aroma me tomava por inteiro, primeiro as narinas, os pulmões, depois todo o
resto, tal qual alucinógeno que nunca sacia, me deixando a pedir sempre mais.
Vício e perdição equacionavam-se numa paixão de feitiço irresistível.
A sentença já havia sido pronunciada: não havia volta. Aquela moça
de olhos marcantes, lábios de Lilith e andar de quem sabe exatamente dos
olhares que atrai - e se diverte com isso -, irrevogavelmente fazia parte da
minha vida.
O que veio depois? O óbvio: o amor. Mas isso, meu amigo, de tão
vívido, intenso, embora terno, é assunto para outra ocasião, um livro, talvez.
Como para tal me falta o talento, quem sabe eu tome algumas histórias
emprestadas de quem, por acaso, saiba traduzir o que vivi com essa moça. Por
enquanto, é o que te ofereço, caro leitor. Mas deixo um aviso: leia com
parcimônia. Não vá também cair de amores pela moça.